segunda-feira, 9 de agosto de 2010

• Concorrência estatal afeta setor de TI no Brasil

Publicada em 03-08-2010

Concorrência estatal afeta setor de TI no Brasil


Segundo o vice-presidente da Assespro Nacional, Luís Mário Luchetta, a interferência do governo na prestação de serviços de informática é um dos principais problemas que a atrapalha o progresso da TI
A tecnologia da informação (TI) cresce de forma significativa e apresenta resultados favoráveis para a economia brasileira. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes), o mercado de software interno brasileiro é o 12º do mundo. Apesar do cenário propício, o setor enfrenta dificuldades quando trata-se da relação com o poder público, já que este atua como principal concorrente das empresas privadas.

Para atender suas demandas, o governo deixa de utilizar o trabalho dos fabricantes de software e dos prestadores de serviços, e opta pelo desenvolvimento de soluções internas. Ainda como agravante, as empresas públicas concorrem com as empresas privadas na disputa da escassa mão de obra especializada. É o que afirma o vice-presidente de Articulação Política da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), Luís Mário Luchetta.

Para Luchetta, a interferência do governo na prestação de serviços de informática é um dos principais problemas que atrapalha o progresso da TI. Segundo ele, há mais de quatro décadas, o país passou por uma reforma administrativa que tentou retirá-lo de práticas do período colonial, pois o impediam de ter uma administração pública eficiente e direcionada aos anseios da sociedade. O Decreto-Lei 200/67 foi a peça central desta reforma. "Parágrafo 2º - Em cada órgão da Administração Federal, os serviços que compõem a estrutura central de direção devem permanecer liberados das rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que possam concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle."

Luchetta afirma que este Decreto-Lei 200/67, foi a medida necessária para que a administração pública pudesse liberar-se de tarefas que nada tinham a ver com seu core business e passasse a terceirizar as rotinas de execução e as tarefas de formalização de atos administrativos. "Não trata-se de uma decisão facultativa e sim de uma imposição. Pelo Decreto, o poder público exige que ele mesmo deva "permanecer liberado para que possa se concentrar em atividades fins", explicou. O Decreto continua em vigor e, até hoje, não houve nenhuma iniciativa legal que o alterasse. Ele coloca, ainda, que se não bastasse a legislação brasileira, a Constituição Federal é muito clara, no artigo 173: "Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei."


Primórdios da informática - Luchetta lembra que, por volta dos anos 70, as empresas privadas criavam grandes Centros de Processamento de Dados e enormes equipes de desenvolvimento, direcionadas para uma determinada plataforma e metodologia. Já o poder público, na falta de opção de contratação no mercado e preocupado na segurança de seus dados - uma obsessão no período não democrático no país - criou suas empresas estaduais de processamento de dados (algumas municipais, como fizeram Belo Horizonte e São Paulo), e, na esfera federal, o Serpro, a Datamec e a Dataprev.

Quando trata-se do Serviço Federal de Processamento de Dados - Serpro, Luchetta diz que não faz parte do relevante interesse coletivo - como previsto no artigo 173 da Constituição Federal - o desenvolvimento de sistemas de computador e a criação de empresas públicas para essa finalidade. "Foi-se ao longe a ideologia, que poderia justificar, de que tudo em informática era parte indissolúvel da segurança nacional. Sem ou com licitação é um erro estratégico", ressaltou.

O vice-presidente da Assespro Nacional, afirma, ainda, que com o passar do tempo, as plataformas tecnológicas multiplicaram-se e novas metodologias surgiram de forma meteórica. As equipes que gerenciavam esses processos não conseguiram acompanhar a transformação, ficando obsoletas e semi-inúteis. Dessa forma, as empresas privadas passaram a terceirizar os serviços de desenvolvimento de softwares. Apesar de demorar muito a perceber, o governo também rendeu-se às mudanças, e percebeu que era mais econômico. "As empresas públicas de informática foram transformando-se em gestores de contratos terceirizados e centros de referência para os diversos órgãos da administração pública. O mercado privado de serviços começou a prosperar e viu-se que o dilema desenvolver internamente ou terceirizar era falso. Não havia dúvidas: a terceirização era e é, na maioria esmagadora dos casos, a melhor opção", garantiu.

Luchetta analisa que esta opção estratégica das empresas privadas e do governo fez surgir uma crescente e forte indústria nacional de serviços de TI. Com a musculatura e o know-how adquiridos no mercado interno, a indústria tem conseguido ótimos resultados internacionalmente. "As empresas públicas, como as privadas, foram desmobilizando seus quadros e, os que não foram, ficaram obsoletos para a tarefa de desenvolvimento. O quadro parecia estável e sem chances de reversão, mas não é o que está ocorrendo, há quase oito anos começou um retrocesso e a volta do inchaço da máquina pública, que ameaça seriamente a indústria nacional de TI", concluiu.

O presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Assespro-MG), Ian Campos Martins, cita como exemplo deste retrocesso a Lei 12.249/10 - originalmente publicada para tratar de incentivos à infraestrutura da indústria petrolífera e do programa um computador por aluno, que teve enxertado em seu texto artigos que dispensam o Serpro de licitação, quando contratado em casos de projetos estratégicos do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento. Para ele, este é um caso gritante de criação de reserva de mercado, pois esta lei ainda impede que o Serpro subcontrate parte ou a totalidade dos serviços para executar tais "projetos estratégicos".

Campos questiona, ainda, que o Serpro, originalmente criado para prestar serviços ao Ministério da Fazenda, já vinha oferecendo serviços a outros órgãos. Segundo ele, agora existe, de fato, a criação de um monopólio. "Os gastos em TI do governo federal representam entre 10% e 15% dos gastos de TI no Brasil, segundo maior comprador depois do setor financeiro. Ao impedir a indústria nacional de concorrer em suas compras, o governo federal despreza a indústria privada de TI em favor do inchaço de seus quadros funcionais. Esta medida é um retrocesso e um desalento para os empresários do setor", comentou o presidente da Assespro-MG. (Jaqueline Soares)